quarta-feira, 24 de setembro de 2008

O encarnado revela-se à sombra



Tiago, dá uma olhadela na foto outra vez. Mas olha bem...




Num colorido, ameno e movimentado dia de Inverno, ao cavalgar uma zebra a caminho da outra extremidade da estrada, um flash glaciar paralizou toda a vida que me rodeava. Toda a cor se mortificou num instante a par de um estranho eco que me invadiu o pensamento. O tempo não passava e os sentidos foram-se alterando para uma estranha vontade de acreditar:

- Que se passa? Deus, carregue aí no comando se faz o favor. O botão encarnado. É que desligou isto sem querer, certamente. Aproveite e carregue uma corzinha e ligue o Sol outra vez. Vá lá, tenho um amigo à espera do outro lado da estrada. Assobiei - Deus, veja lá se não foi o quadro que disparou. Pois. Claro, quase de certeza que foi isso. Puxe o botão encarnado para cima. Oi! DEUS!!! O encarnado, não se esqueça!

Senti o desconforto a sobrevoar-me o corpo até aterrar na base do meu pé esquerdo, dando origem a uma terrível cãibra. O frio descongelou um bocado de muco que prontamente começou a pingar. Em desespero:

- Ai ai, e agora? Deus, ajude-me lá. Já não estou a achar piada a isto. Dê aqui um jeitinho ao pé e assoe-me o nariz, ao menos.

Neste preciso momento, uma salada de murmúrios e conversas penetrou-me ouvidos adentro. Concentrei-me em isolar os ruídos e uma adulta voz logo se destacou:

- Rapaz! Que significa...

- Rapaz? Quem está a falar?

- Olha em frente, rapaz! Deixa-me acabar...

- O senhor até tem sentido de humor, mas não estou propriamente num bom dia. Claro que olho em frente, não consigo olhar para outro lado! Tenho lágrimas a escorrerem-me dos olhos por não conseguir fecha-los, percebeu? Quem é o senhor?

- Observa o banco ensombrado pela árvore chorona, rapaz. Sou...

- Sim, estou a ver. Quatro velhos sentados?

- É isso que vês, caro rapaz? Não interessa, só queria perguntar...

- São quatro velhos sim, estou a vê-los. Olhe lá, e trate-me por Telmo se faz o favor. Não gosto que me tratem por "rapaz". Faz sentir-me inocente, coisa que não sou!

- Eu sei que te chamas Telmo, inocente rapaz. Mas eu só...

- Já lhe disse... Como sabe o meu nome? Nunca travei conversa com velho algum sem ser da família. Qual dos velhos é o senhor?

- Estás equivocado, rapaz. Já falaste comigo. Eu é que nunca falei contigo a não ser hoje. Aqui. Agora, por favor...

- Mau! Não percebo. Mas qual dos velhos é o senhor, raios! Não tenho tempo para atura-lo. Ai a chatice!

- Tempo? Não tens tempo? És engraçado, rapaz. Sou o mais velho de todos, se é que te satisfaz a curiosidade. Agora, de uma vez por todas...

- A mim parecem-me todos iguais. Olhe, agora caía bem uma castanhinha assada. Estou a ficar esfomeado. Este cheiro está a originar-me uma baba estranha nos cantos da boca. Sabe, antes de atravessar a estrada, estive quase quase para comprar um canudo delas a esta velha que está a fazer negócio 5 metros atrás de mim. Nesse momento é que esta merda devia ter parado! Saciava a fome enquanto me mantinha quente. Não tenho sorte nenhuma, caraças. Desculpe lá o desabafo. Mas...

Num ápice, fui interrompido pelo som mais grave e autoritário que jamais ouvira:

- Cala-te! Por favor, rapaz! Deixa-me falar!

Com o corpo e a mente a vibrar de respeito, eu:

- Não percebo o porquê dessa gritaria. Fale o tempo que quiser, homem. É a única coisa que pode fazer de momento. Percebeu a piada? Fale lá, vá.

- Pronto rapaz, então o que te estou a tentar dizer, é que vim cá abaixo para te livrar da cãibra, do desconforto, da fome, acabar com as lágrimas e até assoar-te o nariz se for preciso, para poderes seguir a tua inocente vida em paz e te encontrares com o teu amigo que está atrás de mim. Ele também não está muito bem; o peso da máquina fotográfica deu origem a uma forte dor nos seus ombros e o pobre coitado não aguentará muito tempo.

- Ai sim? Veio cá abaixo? Para um velho de 90 anos acabadinho de cair de uma árvore, o senhor até está com bom aspecto. Caia mas é na real. Está mais inerte que um morto. Como é que...

- Porque não te calas, rapaz?

- Pronto, pronto.

- Qual era o diabo do botão, rapaz?

- Botão? Epá, não me diga... Ouviu essa conversa, foi? Oh amigo, pronto: era o encarnado.

- Sabes Telmo, sem saberes, deste-me a provar o sabor do desconhecido pela primeira vez.

- Porquê?

- Porque o único "encarnado" que conheço... SOU EU!

- Mas ainda não me disse!, qual dos quatro é o senhor?

- O Único que te observa, sempre... à sombra.

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3 Únicos comentários disponíveis::

Telmo disse...

Agora vejam a foto outra vez e voltem a ler, se necessário:

Onde está o encarnado?

Anónimo disse...

F O D A - S E!!!

Puto, não tenho palavras. Vou ler outra vez.

Parabéns. Nem digo mai nada.

Abraço

Telmo disse...

Quando escreveres "não digo mai nada"
não é para escreveres "abraço" logo a seguir.

Obrigado. ;)