segunda-feira, 29 de setembro de 2008

Amor e Guerra

Levantou-se, abriu o estore do quarto e movimentou-se pela casa. Lavou e secou o cabelo, urinou sentado, comeu torradas ao almoço, tomou a vitamina diária com um copo de água e sentou-se no tapete ao mesmo tempo que ligava a TV no canal de notícias.

Ao acompanhar o telejornal, a sua cara deu ar de dúvida:

- "Hugo Chavez foi hoje pescado pela polícia marítima quando se preparava para fazer parar um petroleiro com o seu barco pneumático. Já é a quinta vez este mês que este activo activista da "Greepeace Venezuela" interpela uma embarcação deste tipo, com uma bandeira na mão e uma fita verde na testa, em protesto pela subida dos preços do ouro negro. É de referir que as petrolíferas aumentaram o preço do petróleo nos últimos 30 dias, subindo de 2 para 3 cêntimos o barril"

- "Já a seguir não perca o discurso de George W. Bush, criticando ferozmente as empresas que fornecem material de paint-ball e onde admite também que gosta muito de jogar badminton fardado de marinheiro . Logo depois, em exclusivo, a entrevista a Castelo-Branco que deixou crescer o bigode e revelou a sua heterosexualidade recentemente. Dentro de momentos, não perca. Até já senhor telespectador e vá levar no cú, se tiver tempo."

Ããã!?O que foi isto? - pensou.

Decidiu apanhar ar e rumou ao café:

- Boa tarde. Era um café em chávena escaldada e com adoçante, por favor.

- Era? Já não é? Atrasado mental!

- Desculpe!? Como disse? Um café por favor! - respondeu, sem a certeza do que tinha ouvido.

- Com certeza, seu estupor de pessoa! Tome lá! Espero que queime bem a língua. Mongolóide!

Já tonto e amedrontado, saiu do estabelecimento sem beber o café, deixando 1€ em cima do balcão:

- Obrigado pela gorjeta ó porco!

Apressou o passo. O coração também. Dirigiu-se ao supermercado...

- São 2€, jovem cabrão. Tem cartão do elefante?

- Mas... não, não tenho cartão.

- É pena, pois enfiava-lhe a tromba pelo rabo acima e assim pagava menos! Passe para cá a nota e muito obrigado pela preferência. Volte sempre filho... de uma grande vaca.

E o clima de agressão durou o dia todo. A sua avó chamou-lhe besta e cara de cú fodido ao telemóvel e disse-lhe que tinha saudades de lhe dar uns belos chutos nas beiças; mais tarde foi escarrado pela filha do seu vizinho no elevador e ainda foi brindado pelo pai com um: "até mais logo seu merdoso."
A cabeça, pronta a explodir de incompreensão, roçou o desmaio. Fechou-se em casa.
Ligou de novo a TV e fez zappings atrás de zappings procurando desesperadamente a única realidade que conhecia.
O mundo estava virado do avesso, pendurado num estendal que não era o seu, preso com molas que nunca vira anteriormente.
Não havia guerras, não havia fome e todo o cidadão deste mundo tinha dinheiro para viver. O Iraque estava repleto de resorts, e sediava a "Opus Gay" do extremo oriente. Não havia crime nem prisões. Mas nada batia certo. Não se reconhecia no comportamento das pessoas. O mundo estava vazio de amor.

Tocaram à porta:

- Quem é?

- É o correio ó cara de caralho! Abre lá a puta da porta que não tenho o dia todo!

- Espere 5 segundos, por favor.

- Por favor? Por favor a merda! Despache-se seu labrego, e abra a porta imediatamente!

Pressionado pelo dia que teve até então, abriu a porta e, com os nervos alterados, sacou duma arma disparando-a automaticamente de olhos bem fechados. Tremolamente, ao abrir as palpebras, foi percorrendo um corpo cinzento estatelado no chão. Um homem careca e de cara simpática segurava um ramo de flores e um postal junto do coração. Apressadamente retirou-lhe a encomenda e leu:

"Esperamos todos que recuperes da depressão o mais rapidamente possível e que saias dessa vida solitária em breve. Não nos afecta nada essa tua decisão de mudares o sexo. O que nos preocupa são esses comprimidos que tomas. O rapaz mascarado de homem dos correios é o teu irmão mais velho que nunca conheceste. Na realidade ele é polícia. Têm muita conversa para por em dia. Espero que esta injecção de amor te dê força, e te livre dessa prisão"

- Polícia! Mãos ao ar...

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